A sibutramina não deve ser prescrita a pacientes portadores de doenças cardiovasculares, hipertensos ou para quem já tenha tido arritmia cardíaca
Você gostaria de não ter fome e acha que isso te ajudaria a perder peso? Eu faço essa pergunta porque, todos os dias, recebemos pessoas que buscam um remédio que faça justamente isso: que teoricamente lhe facilite a perda de peso, subtraindo-lhes a fome.
Nos Estados Unidos, há apenas três medicamentos utilizados para tratar a obesidade: o orlistat, a fentermina e a sibutramina. No Brasil, temos o orlistat, a anfepramona, o femproporex, o mazindol e a sibutramina. Com exceção do orlistat, que reduz a absorção das gorduras, os outros todos tentam ajudar na redução da quantidade de alimentos ingeridos, ora aumentando a saciedade, como a sibutramina, ora reduzindo a fome, como os demais.
A obesidade vem crescendo com a força de uma pandemia, no mundo. Não poupa ninguém, independente da idade, classe social ou raça. Este fato vem provando que a idéia de reduzir a fome é uma grande ilusão, pois as pessoas comem, mesmo sem fome. Comem por diversos outros motivos, além da fome, mas principalmente, comem mais por uma falha da saciedade, ou seja, continuam com fome após uma refeição convencional e comem muito mais do que deveriam.
A maioria dos medicamentos para o tratamento da obesidade no Brasil são derivados anfetamínicos. São drogas poderosas em cortar a fome, mas, por outro lado, são difíceis de serem toleradas. Causam grande excitabilidade ao Sistema Nervoso Central, palpitações, insônia e, algumas vezes, até problemas psiquiátricos. Só seriam melhores toleradas se associadas aos calmantes, mas essas associações foram proibidas no Brasil, após a constatação de que criavam outro problema: o abuso de outro tipo de droga potencialmente aditiva ou potencialmente indutora de dependência. Dessa forma, quando usados sozinhos, esses medicamentos dificilmente são tolerados.
Nesse contexto, a sibutramina ainda é a nossa maior ferramenta para aumentar a saciedade. Ela interfere exatamente nesse mecanismo e permite que o paciente tenha fome, mas que comendo menos se sinta saciado. Ela vem sendo utilizada no Brasil há 12 anos. É considerado um medicamento de primeira linha para o tratamento da obesidade. Já se sabe, desde o início de sua comercialização, que a sibutramina pode causar elevação discreta da pressão arterial e aumento da freqüência cardíaca, uma vez que esses importantes sintomas sempre foram informados na bula do medicamento.
Em janeiro, a agência reguladora de medicamentos européia - EMEA (European Medicines Agency) - suspendeu a licença de comercialização da sibutramina, baseada em um estudo chamado SCOUT ( Sibutramine Cardiovascular Outcomes Trial), que envolveu mais de 10.000 pacientes obesos, acima de 55 anos com diabetes, história de cardiopatia ou outros fatores de risco cardiovascular por pelo menos seis anos.
O objetivo da pesquisa era avaliar os efeitos da sibutramina neste perfil de pacientes. A ocorrência de eventos graves como infarto, derrame, parada cardíaca e morte no grupo de pacientes em uso de placebo (cápsulas sem medicamento) foi de 10%, enquanto no grupo que usava sibutramina, foi de 11,4%. Embora pareça uma diferença pequena, ela é considerada estatisticamente significativa.
Esta diferença foi relevante apenas em pacientes com história de doenças cardiovasculares. Mesmo assim, a agência européia entendeu que "os riscos da sibutramina não compensam seus benefícios".
Ao contrário da agência européia, a agência americana (Food and Drug Administration -FDA) e a brasileira (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Anvisa) não entendem o assunto da mesma forma. Estes órgãos reguladores alegam que a pesquisa não trouxe nenhum dado novo, além daqueles já conhecidos e descritos na bula do medicamento. Destacam, entretanto, que a sibutramina não deve ser prescrita a pacientes portadores de doenças cardiovasculares, hipertensos ou para quem já tenha tido arritmia cardíaca.
Nos Estados Unidos, a FDA, baseada no mesmo estudo, apenas determinou que a bula do medicamento alerte a população que o medicamento não deve ser usado por pacientes com história de doença cardiovascular.
No Brasil, por entender a necessidade de maior controle nas prescrições e no uso do medicamento, a determinação atual é de que deve haver maior vigilância, mudando a forma de prescrição para o receituário azul. A Anvisa também divulgou um alerta para os profissionais de saúde sobre o uso da sibutramina e recomendou a contra-indicação da sibutramina para pacientes com perfil semelhante aos incluídos no estudo SCOUT:
•Pacientes que apresentem obesidade associada à existência, ou antecedentes pessoais, de doenças cardio e cerebrovasculares;
•Pacientes que apresentem Diabetes Mellitus tipo 2, com sobrepeso ou obesidade e associada a mais um fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares.
O posicionamento da Anvisa foi bem recebido pelos endocrinologistas brasileiros, embora pareceu-nos um retrocesso a inclusão do grupo dos diabéticos tipo 2 ou não insulino dependentes, entre as contra-indicações do uso, uma vez que os resultados preliminares do SCOUT não demonstraram maior incidência de adventos graves com o uso da sibutramina por este grupo de pacientes, geralmente, obesos e que poderiam contar com a sibutramina como uma de suas principais estratégias de tratamento.
Diversos estudos já demonstraram a segurança e os benefícios da sibutramina, quando usada conforme as indicações, associada a mudanças de estilo de vida e sob acompanhamento médico.
Além do grande número de estudos, em diferentes perfis de pacientes, a medicação está disponível há mais de uma década no mercado e também tem se mostrado segura na prática clínica. Tendo em vista que a obesidade é um dos maiores riscos para as doenças do coração, a melhor prática é a seleção adequada dos pacientes e a vigilância do uso do medicamento, evitando privar a maioria dos obesos dos efeitos benéficos da droga.
Dra. Ellen Simone Paiva é médica especializada em Endocrinologia e Nutrologia. Mestre em medicina na área de Nutrição e Diabetes pela USP. Titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, SBEM e da ABRAN, Associação Brasileira de Nutrologia. Diretora clínica do CITEN – Centro Integrado de Terapia Nutricional.
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